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20 de fev. de 2019

Resenha: Um sopro de neve e cinzas

 
Contém Spoilers


Claire e Jamie. Brianna e Roger. Jovem Ian e Rollo. As aventuras dessa família e de vários outros personagens continuam nesse sexto romance da série Outlander, Um Sopro de Neve e Cinzas (título original: A Breath of snow and ashes). O ano inicial é de 1773, o livro, dividido em um prólogo, doze partes e dois epílogos, tem como abertura o momento em que Jovem Ian escuta um grupo de homens passando próximo ao local onde estava na floresta e precisa se esconder, levando-o a ter uma conversa com Deus, e o encontro dos Frasers com uma cabana queimada cheia de cadáveres em algum lugar da colina. Quando retornam à sua casa, uma reunião com o Major Macdonald os aguarda, trazendo notícias de novos colonos escoceses e um convite para Jamie tornar-se um agente entre os índios.

Como em todo romance dessa série, novos personagens surgem e dentre eles está Bobby Higgins, enviado com uma carta para Jamie por Lorde John, Bobby havia sido marcado como assassino no rosto, condenação que Lorde John considerava injusta. Infelizmente, Bobby é ameaçado pelos Browns e seu comitê de segurança que não acreditam em sua inocência e não querem um homicida nas redondezas, ansiosos por mostrar efetividade em suas ações. A decisão de Jamie de tornar-se um agente indigenista, então, apesar dos possíveis riscos, ocorre justamente para impedir que Richard Brown o seja. Tentando descobrir mais sobre a guerra que está por vir, Jamie conversa com Roger sobre o que ele sabe que vai acontecer, o que o leva a lembrar-se de uma vidente que conhecera em Paris e que havia lhe dito que ele iria morrer nove vezes antes de ir para o túmulo. Essa previsão é uma quem vem levantando discussões nos fóruns de fãs de quais seriam as mortes de Jamie e em qual vida ele estaria. Como já vimos e também como Claire conclui, Jamie Fraser não é um homem fácil de se matar.


Capa atual da edição americana 



Dentre as trocas de correspondências entre Lorde John e os Fraser, Brianna recebe fósforo, uma substância que havia requisitado ao amigo, para que pudesse fabricar palitos de fósforo, facilitando assim o processo de acender qualquer fogo que fosse necessário. Um dos pontos que eu gosto muito em Brianna é esse seu lado “inventora/construtora”. Ela consegue facilmente trazer seus conhecimentos de química e física do século XX, além de sua habilidade com desenho para melhorar a sua vida e de toda a sua família, mesmo que isso a faça ser vista como “estranha” pelas pessoas das redondezas. Um exemplo, além dos fósforos, é sua tentativa de fazer Robin McGillivray montar as armas que ela havia desenhado, conhecimento incomum até para meninas de sua época. Ela mostra seu lado progressista com orgulho e (na maioria das vezes) não dá ouvido aos comentários maldosos. Obviamente, isso vem um pouco de Claire, entretanto, as “inovações” trazidas por Claire ao século XVIII, são no geral, relacionadas à medicina, como a sua produção de penicilina que se inicia em Tambores do Outono e as tentativas da criação de éter em Um sopro de Neve e Cinzas para poder adormecer os pacientes em quem precisa realizar cirurgias, como a de apendicite que ela faz em Aidan McCallum. Também não é possível deixar de lado a influência que o conhecimento de Frank sobre a volta de Claire ao passado fez com que ele ensinasse coisas incomuns à sua filha para uma mocinha da cidade dos anos 60- com receio que ela também viajasse- como andar a cavalo e atirar. Brianna é uma mulher bastante independente, assim como sua mãe e isso ao longo desse livro, acaba influenciando seu casamento com Roger, que não é tão moderno quanto Jamie, no quesito adaptar-se à individualidade de sua esposa. Eu entendo que a diferença maior é que para Brianna foi muito mais fácil encaixar-se no dia a dia de Fraser’s Ridge do que para ele, e isso faz com que ele se sinta inútil diante dela, enquanto Jamie nunca enfrentou esse problema. O desejo de Roger de tornar-se ministro finda por lhe dar um propósito que facilita a comunicação entre o casal, pois permite a Roger encontrar sua própria independência e sentir-se mais útil dentro de sua comunidade. Brianna mostra à lealdade que tem ao marido estando pronta para apoiá-lo em sua escolha de carreira e se dispondo a ajudar no que for preciso para que ele seja bem-sucedido.


Capa da primeira edição a ser publicada em português no Brasil pela editora Rocco (dividida em 2 tomos)



Esse é um livro que mostra, assim como a Cruz de Fogo, muito da comunidade dos Frasers, entretanto com mais ação e sem a monotonia do romance anterior. Nele, Claire vai conseguir uma nova aprendiz e assistente em Malva Christie- com quem cria um carinho, para depois ser traída de uma forma covarde, levantando dúvidas acerca da lealdade de Jamie - e um paciente extremamente teimoso em seu pai- que se revelará leal à Claire e aos sentimentos que havia escondido dela, em busca de salvá-la de uma sentença injusta por um crime que a Sra. Fraser não havia cometido. Três dos acontecimentos principais do enredo cada vez mais intricado são o sequestro de Claire por uma gangue - onde ela finda por encontrar outro viajante do tempo-mais à frente; o de Brianna, por Stephen Bonnet e o momento em que toda a família aguarda o suposto incêndio que deveria matar Jamie e Claire, mas que não ocorre na data prevista no jornal, e sim tempos depois, tendo todos os presentes –Jamie e Claire inclusive- saído com vida, mas resultando na destruição de sua casa. Jamie, ademais, tem que lidar com a decisão de virar um rebelde, pois ele sabe que a guerra será ganha por eles, mas qual seria o momento certo para se declarar? E a descoberta da verdadeira paternidade de Jemmy, além de uma nova gestação de Brianna estão entre os pontos de destaque dos enredos dos Frasers e Mackenzies.

O crescente companheirismo entre Jamie e Roger também chama atenção. Quando se conhecem em Os Tambores do Outono, a inimizade causada pelo mal-entendido da identidade de Roger faz com que mesmo com devidas emendas realizadas, eles dois não se deem lá muito bem. Ao longo dos livros seguintes, eles vão gradativamente tornando-se parceiros e confidentes. Em Um sopro de Neve e Cinzas, ambos aconselham-se quando necessário e uma relação de pai e filho vai se materializando em suas devidas proporções, mais ligada ainda quando se unem para resgatar Brianna, o laço de lealdade que os une.

O nascimento do quarto filho de Fergus e Marsali traz momentos de conflito dentro da comunidade, sendo ele um anão, em um assentamento de pessoas interioranas e supersticiosas, medo e preconceito afloram. E assim cada vez mais os Frasers se ligam para proteger uns aos outros. Como em todo livro dessa série, Diana escolheu uma palavra para ser tema e em Um Sopro de Neve e Cinzas foi lealdade. Sobrevivência seria um sub-tema que ela quase usou como definição, mas a lealdade ainda estava acima, por isso que ao longo do texto venho destacando esses dois pontos. Acredito que ambos estejam fortemente interligados pelo livro. O pequeno Henri-Christian, filho caçula de Fergus e Marsali tem a lealdade de seus pais e outros membros de sua família, mas precisa lutar para sobreviver dentro de Fraser’s Ridge. Fergus sente que não pode ser o homem que eles precisam, em uma área onde o modo de vida é a agricultura e ele tem apenas uma mão, o desespero então o domina. A saída para a sobrevivência da família será um trabalho na cidade, onde há menos preconceito e Fergus poderá realizar o ofício de tipógrafo.

Lizzie é uma personagem com um desenrolar de acontecimentos peculiares neste livro. E quando digo que o romance fica cada vez mais intricado (e a meu ver isso vem acontecendo ao longo dos livros, principalmente a partir de Tambores do Outono) é porque mesmo com a maioria das cenas sendo de Jamie e Claire ou relacionadas a eles, tramas paralelas fortes surgem. Em Um Sopro de Neve e Cinzas, além da história de Roger e Brianna que caminha quase em pé de igualdade com Jamie e Claire, são muito presentes em determinados momentos da trama, a de Fergus e Marsali, Ian e a luta para superar seu passado com os Mohawks e o romance de Lizzie com os gêmeos Beardsleys, que choca Fraser’s ridge, pelo conceito de poliamor não ser um conhecido no século XVIII.

O nascimento da filha de Roger e Brianna, Mandy, faz com que eles tenham que tomar a decisão de voltar ao século XX, uma vez que a menina precisa de uma cirurgia cardíaca para sobreviver, a qual Claire não tinha condições de realizar no tempo em que estavam e com os recursos que tinham. Com a partida dos Mackenzies e a destruição da casa dos Frasers, Claire e Jamie decidem voltar à Escócia para trazer a prensa de Jamie para as treze Colônias e entrar na luta da revolução americana. Na conclusão do livro, temos um relance da vida de Roger, Brianna e seus filhos em Lallybroch, onde se estabeleceram- no século XX- e a explicação de como a data foi escrita errada no jornal que anunciou a morte equivocada de Jamie e Claire.


                                      Capa da edição atual brasileira publicada em volume único pela editora Arqueiro
                                                   

Dentre as referências literárias que podem ser encontradas no livro, está o título da quinta parte “Great Unexpectations” (Grandes Inesperanças), a qual provavelmente relaciona-se com o título de Charles Dickens “Great Expectations” (em português: Grandes Esperanças). Não é à toa que Dickens foi um dos autores a quem Gabaldon dedicou o livro. Eu já comentei em resenhas anteriores, mas ao longo da série existem várias referências literárias e citações. Muito comum além de quotes bíblicos, são também os de Shakespeare, principalmente Hamlet e O mercador de Veneza. Infelizmente, como a maioria deles não é referenciado em uma nota de rodapé ou no próprio texto- e as inúmeras traduções do dramaturgo britânico também dificultam o reconhecimento- é difícil para o leitor encontrar todas.

Uma curiosidade acerca da parte histórica dos livros de Outlander é que os nomes dos governadores da Carolina do Norte que aparecem desde Tambores foram mantidos, e eles realmente existiram. Pode parecer obvio para alguns, mas eu imaginei que William Tryon e Josiah Martin fossem invenção da cabeça de Diana, porém sua pesquisa histórica nunca decepciona, e até onde eu vi todos os chefes de milícias citados nos livros (coronéis, capitães e etc...) também são reais. Certamente, o comportamento deles diante dos Frasers foi realmente obra da criatividade da autora, mas seus atos históricos, não. Josiah Martin, que aparece em Um Sopro de Neve e Cinzas, foi o último governador da Carolina do Norte antes da revolução americana. Outro personagem histórico importante a fazer aparição em Um sopro de Neve e Cinzas foi Flora MacDonald (especificamente em uma recepção em River Run), famosa por ter ajudado o príncipe Charles Stuart a fugir disfarçado de mulher após a derrota na batalha de Culloden.

Em um livro no qual lealdade e sobrevivência se entrelaçam, uma mente estratégica como a de Jamie Fraser é extremamente poderosa. É graças a ele que muitos dos conflitos são solucionados. A sua lealdade para com Claire e para com a sua família é absolutamente admirável, mas sempre esperada. Lindo foi também ver relances da sempre presente lealdade de Lorde John para com seu amigo Jamie em suas trocas de cartas em meio à guerra iminente, a qual pretende testar os laços que os unem. Com a Revolução Americana cada vez mais próxima, essas lealdades devem ser mais expostas e as tensões irão aumentar. Um Sopro de Neve e Cinzas é um livro forte e cheio de ação, mas também repleto de amor e respeito aos laços familiares e às escolhas que precisamos fazer para sobreviver, sabendo dosar na medida certa a calmaria do dia a dia do assentamento, com os embates que a disturbam.


Por Tuísa Sampaio


REFERÊNCIAS:

GABALDON, Diana. Um sopro de neve e Cinzas. São Paulo: Arqueiro, 2018.

GABALDON, Diana. The Outlandish Companion. New York: Delacorte Press, 2015. V.2.




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